domingo, 23 de julho de 2017

PRIMEIRAS LEMBRANÇAS DE MARIA EUGENIA DA SILVA STEIN


Maria Eugênia da Silva Stein em foto de Carlos de Paula Couto
Maria Eugênia da Silva Stein é filha de Bartholomeu e Doralice Stein e neta de Nicolau Stein
(Digitadas pela Íris Garcia Bassani)


Minhas primeiras lembranças são de Dom Pedrito: o Ford do pai sempre caindo nos valos, na beira da estrada, os guris da tia Helena e depois os ciganos roubando as gavetas de marmelada, mais tarde a Ricardinha. Dona Rosalina, Dr. Cristiano Fischer e seu filho Henrique. Comendo balas na rede com dona Rosalina, fazer cachinhos de cabelos para Ricardinha. Recordo também uma mudança, só não sei para onde, os guris a cavalo e nós em outra condução, devia ser carreta. As noites passadas no Uruguai no rancho, a venda do seu Torquato Severo. De Cruz Alta só me recordo de brincar com a Ruth. Da fineza da casa da tia Palmira. Depois Porto Alegre, vagas recordações da Sebastião Leão, Carlinhos parecia que tinha madrasta má. A chácara da tia Julieta é rica de recordações: a casa os plátanos, as folhas caíam todas, eu achava triste. As vacas, a Negucha, o pasto. Lá foi meu primeiro natal, ganhamos bonecas, eram lindas, Tila, Flávia e eu. A da Flávia chamava-se Nair e viveu muitos anos. Veio até a Boa Fé e seu aniversário era comemorado todos os anos. A Helena ganhou uma corrente de prata e uma medalha de Santa Terezinha, a Lia eu não lembro o que ganhou e nem os guris, mudança das bonecas, a da Tila esmagada com um tijolo, ela tinha vestido verde ou azul. Lá se brincava, comia, atrás um córrego para mim era um arroio grande.

Em Porto Alegre, o medo que se passava de noite, o pai e a mãe iam para o teatro ou cinema e nós ficávamos com a Donana e o seu Elísio, um casal de italianos que moravam na ilha da Pintada. Me lembro, também, do Lauro com tifo. Recordo a doença da tia Helena, sarampo, ela mal, nós também com sarampo, a Flávia e eu e ninguém nos dava bola. Trepávamos na janela e apanhávamos peras verdes e comíamos. Abafadas com acolchoados de pena e a Flávia dizia: Maria vai na cozinha e traz comida para nós, as vezes eu ia, não me lembro de alguém ter me visto. O Café Economia Doméstica bem na frente e a casa do La Costa, como eu achava linda e sonhava com uma parecida, a nossa era bem humilde.
Depois o Colégio Sevigné, longe, mas tinha uma coisa boa, a venda do seu Pires, Armazém Pires, onde comprávamos chocolate, refeição e bolos de frutas. Lembro o Silvio sempre arteiro, uma vez encheu de bombinhas uma lata, botou uma brasa e atou no rabo de um cachorro que vivia incomodando e o coitado lá se foi desesperado, mas a gurizada gostou e achou o máximo.


Recordo a doença do tio Osvaldo, o pai e a mãe foram para lá e nós ficamos com a Donana, como ele custou a ficar bom! Era pneumonia dupla e naquele tempo era passagem certa para outra vida, mas ele não foi!


Mas antes disso o batizado da Helena, toda de branco, uma roupa linda, linda com rendas e babados e sapatos de pelica e no mesmo dia o batizado da Tila e o meu. Nós de vestidinhos de seda verde com enfeites de floresinhas aplicadas e chapéu de palhinha de seda bege nós achamos lindas. Padrinhos da Helena, tio Osvaldo e tia Elsa, da Tila, Dr.Augusto Becker e D.Josefina. Meus padrinhos, Carlos de Paula Couto e Julieta Silva. Acho que no mesmo dia 5 de setembro de 1926, primeira comunhão de Juca, Silvio, Lia e Flávia, elas de vestido longo, véu e grinalda, tudo branco e eles de roupa branca, Juca de calça comprida, acho que preta e Silvio de calça curta e camisa branca. Houve festa lá na chácara. Lembro que a mãe era magrinha e tinha um ar triste. Lembro a convalescença do Lauro.
Depois a mudança para Butiá. Lembro do pai falando com a mãe que nós iríamos para Butiá, que o Dr.Fernando Schneider ia se casar com Matilde, e ele ficaria por seis meses substituindo-o. O Silvio resolveu ficar, estava no colégio e devia ser meio do ano, então ele ficou na casa do padrinho dele, Alfredo Rodrigues da Fonseca, o Juca também ficou, acho que na tia Julieta, mas nas férias o Juca foi para Butiá. O Silvio resolveu se empregar com o padrinho dele. Acho que tinha uma casa de negócios ou tipografia (Erico Peixoto Fonseca), não sei e até o nome dele esqueci.
A viagem para Butiá foi de trem, nós adoramos, veio a cabrita que dava leite para a Helena, nós gostávamos do restinho, era grosso o leite e gostoso.


Não me lembro da chegada em casa, só depois que estávamos morando, perto do seu Quincas Saraiva e da dona Mariquinhas. Ao lado moravam seu Darcy Tavares, um homem solteiro. Perto da nossa casa tinha uma pensão do seu Alcides Contes e Adelaide sua filha, era nossa amiga, mais velha que nós. Saíamos todos os meio dia com uma jarra buscar vinho tinto lá. O pai não almoçava sem vinho, nós tomávamos, mas com água e açúcar. Os pais de dona Mariquinhas moravam na fazenda nas proximidades, às vezes a mãe e ela resolviam ir lá e nos levavam a pé e tinha boi brabo no caminho, então elas abriam e fechavam as sombrinhas para fazerem os bichos dispararem e nós podíamos continuar a caminhada.


Lá perto tinha o seu Gogota e a dona Ely e dois filhos, mas com quem nós gostávamos de brincar era com o Rony, um gurizinho de cabelos em cachos loiros, mas só em imaginação, porque não me lembro de algum dia ter brincado com ele. Gostava muito das cacimbinhas, buraquinhos cheios de água no meio do campo, e adorava o cheiro do carvão queimado.


Um dia fomos com a Adelaide até o poço da mina e depois descemos até o fundo, me lembro que os mineiros nos recomendavam que não nos encostássemos nos fios que eram desencapados e mataram muitos mineiros Era uma caixa preta o tal "elevador".


Lá vi o primeiro morto, o Leandro, nosso amigo mineiro. Um dia vi uma gaiola e dentro já se sabia, um morto, mas nunca tinha visto um de perto.


Adelaide veio nos convidar para passear, nós costumávamos ir para um enorme açude e andar de "trole" e no fim derrubávamos o dito para dentro do açude, mas naquele dia o passeio foi outro; ela disse, o Leandro morreu, mas nós não queríamos acreditar, ele não podia morrer. Ela disse eu vou levar vocês lá. Numa casinha humilde em cima de quatro cadeiras de palhinha estava sendo velado o nosso grande amigo, que tristeza. Nunca pude esquecer. Chegamos em casa apavoradas: "mãe o Leandro morreu". Não, de onde vocês tiraram isto? Nós fomos lá mãe, nós vimos o Leandro morto, preto. A Adelaide nos levou. A Adelaide é louca, levar vocês lá! Naquela noite não dormimos e nunca mais esqueci aquela tristeza.


E o Darcy o pai não nos proibia de falar com ele, de longe, e não havia lá estes cuidados. O Francisco véio era um seresteiro incrível, só pensava em tocar violão. Era tudo, cozinheiro, fazia tudo, quando menos se esperava estava tudo em festa!




Tempos depois de nossa mudança ele ficou em Butiá e também os guris. Juca, no seu Serapião Pedroso e o Silvio que havia vindo de Porto Alegre, no escritório da Cooperativa Carbonífera. Francisco casou com a viúva de um mineiro, a dona Alvina, meio branca, baixinha, cabelo meio ruim, cheia de coisas, não tiveram filhos.Ela era bem mais velha que ele, nunca vi mais caprichosa!


Lá em Butiá tinha um guri que gostava de andar nos montes de lixo procurando alguma coisa, resolvi mexer sempre com ele. Quando ele aparecia eu gritava: "come mosca", o guri me atirava pedras. Então mudei o estribilho: "come mosca atira pedra e não acerta", meio cantando. Ele ficava furioso, e o meu canto era acompanhado de pequenas pedrinhas. Um dia eu mexi com ele e corri para dentro do quarto dos guris, mas a Lia e a Flávia ficaram dando cobertura, vem para dentro Maria. Eu fui, mas resolvi dar uma espiada na situação, foi quando veio pelos ares uma metade de tijolo bateu na porta e veio direto na minha cabeça e enterrou! Eu que não gostava quase de chorar, abri o berrador e fui contar para a mãe, ela mandou me levar no consultório do pai. Depois me lembro do pai na janela comigo e cada guri que passava ele perguntava: foi este? Mas não era e eu nunca mais vi o come mosca!
Lembro de um raio que caiu na frente do altar de Santa Terezinha.
Lembro muito do Ruy Pedroso era o namorado preferido das filhas do seu Florentino Gonzales, um fazendeiro rico que havia lá. Eram muito lindas as filhas dele, Aurora, Maria e Grandiosa. Gostavam de andar a cavalo, e vestiam sempre veludo, eu as achava lindas. Dividia o nosso pátio com o do seu Darcy Tavares, uma cerca de madeira. Eu gostava de subir na mesma, sentava em cima e com um ferro batia nas unhas dos pés e pensava, será que vai doer mais? E continuava a bater, ao cabo daquela festa as coitadas caiam mesmo, e aí é que doíam.


Uma ocasião a mãe ia a Porto Alegre com o pai e uma de nós, então ela disse: vai a Maria, eu fiquei ufana! Mas na hora de por os sapatos, que tristeza! Sem unhas não dava, e chorei, chorei, quem foi junto foi a Flávia.


Parar na casa da tia Julieta era o máximo, tudo fino e eu gostava. Nesta ocasião nós ficamos com a Lia, era uma moça, onze anos, já costurava e tomava conta da turma miúda. Adelaide tinha noivo, o Delíbio, uma pessoa que mudou o nosso destino. Ele era funcionário da Cooperativa Carbonífera e parava na pensão do seu Alcides, pai de Adelaide. Enquanto nos estávamos em Porto Alegre, o pai parava na pensão e daí vem o conhecimento com o Delíbio, que era do Capivari.


Contava, além das belezas do lugar, e que não tinha médico, e um dia eu me lembro o pai viajou a cavalo para o Capivari em companhia do Delíbio. Passou alguns dias na casa do seu Feliciano “Nota Grande”, um tremendo fanfarrão: a esposa dele, a Cordolina, era irmã do Delíbio, e o pai voltou entusiasmado. Era o paraíso terrestre, um lugar belíssimo, e disse para a mãe: só o que eu tenho medo é que os chupões vão devorar as crianças!


Aquilo me apavorou! A mãe ficou muito triste por causa da mudança. Ela nascida e criada em Porto Alegre, com a mãe e irmãos e o resto da família lá, naturalmente não desejava ir para outro lugar. Mas lá em Porto Alegre quando viemos para Butiá ficaram nossas coisas todas, até nossos brinquedos, livros, móveis tudo.


Eu sentia falta da roupa de formatura do pai: uma capinha verde com arminho branco, a toga, uma gravata de renda, nós gostávamos de brincar com tudo e também com os vestidos longos da mãe, e a pele de raposa com olhos e tudo, nós adorávamos, mas esta veio. Lá ficou nossa casa na Sebastião Leão, que em 1933 foi vendida.


Nunca mais nos encontramos com tudo que lá ficou, mas que a lembrança guarda. Me lembro que nós gostávamos de assustar a Helena com os olhos da raposa, ela chorava e a mãe acudia.


Chegada em Capivari, novos rumos na vida. Num dia frio e chuvoso, cinzento. Chegou em Butiá um caminhão e um homem feio, feio, era o motorista. Era o dia de nossa mudança. Viajamos, viajamos uma estrada horrível e nós com medo dos "chupões”... até que chegamos, o caminhão parou e o pai disse: é aqui! A mãe falou: tu estás brincando! Mas era ali mesmo, uma casa humilde de alvenaria, uma chácara, mato em volta. Um homem nos esperava, com vaca de leite e lenha para o fogão e tudo o mais que se precisasse.Era o seu Romeu. A casa não tinha assoalho e nem vidro nas janelas, era uma coisa horrível. Nunca havíamos morado numa casa assim e eu achei horrível. Ficamos algum tempo dentro da casa. E os chupões?


Depois fez sol e fomos indo devagar para fora. Resolvemos fazer carnaval com as bonecas. Daí a pouco apareceu um bicho preto desconhecido para nós, matamos e levamos para exame pelo pai. "Onde acharam isso, é um chupão, morde a gente!”. Aquilo era o chupão! Não, não precisava ter medo, era pequeno e fácil de matar, não morreria ninguém.
Dai para frente não tinha mais nada que atacasse a pesquisa nos arredores. Primeiro foi um poço, barreiro, e havia uma gamela e também tínhamos um bacião que foi logo transformado em caíque,começaram os primeiros banhos de sanga, porque os outros foram no arroio Capivari,Passo Novo e depois Três Pontes.


Tinha um batelão. Caíque grande feito de uma madeira só, nele nós navegávamos felizes, até que se ouvia: "êra boi"...e achando ser tropa, nos atirávamos na água e corríamos para casa encharcados.


Nesta casa moramos meio ano.


Nos mudamos para a fazenda Boa Fé, uma casa sede da fazenda, casa boa toda assoalhada, envidraçada, linda. Com mangueiras e galpões, e histórias de assombros. Tinha o quarto do seu Batista, para nós um lobisomem! Sempre de capa preta e com um filho doente, que ele maltratava. Nós nunca passávamos daquele lado, nossas artes eram nos outros três lados.


Estavam, também, na Boa Fé o Juca e o Francisco. Nas férias vieram os filhos da tia Julieta, Carlos e Adolfo, era casa alegre e movimentada. Na frente o pai fez a sala dele e logo ao lado, a farmácia.


Nossa casa vivia cheia de gente. Perto morava um casal de preto, o Chico e a Vicentina, com cinco filhos. Recordo o dia que a Vicentina veio lá em casa, mal vestida e com muito frio e fome, perguntando se tinha serviço. Ela contou que o marido era paralítico e que ela tinha cinco filhos para criar; bem, daquele dia em diante ela ficou nossa, o pai tratava o Chico, e ela lavava e fazia outros serviços lá em casa. Os filhos brincavam conosco; o sustento deles corria por conta do pai e depois da mãe até ela falecer, então a Vicentina foi para Rio Pardo com os filhos já grandes e criados. Eu os ensinei a ler e escrever e as quatro operações, eles estão por ai, bem.


Vamos as artes mais lembradas.


A Julieta, filha mais velha da Vicentina, negrinha retinta, com uns dez anos, era uma boba, fazíamos um monte de areia espetávamos uma pazinha de madeira e dizíamos:"olha Julieta, se tu quiseres conseguir algo, pensa no que tu queres e dá três suspiros com a boca aberta e os olhos fechados em cima deste monte de areia". Ela, mais que depressa, obedecia e então nós pisávamos na pá e ela ficava com a boca cheia de terra."É, tu não fizeste direito, faz de novo".


Numa ocasião, achamos uma caixa preta com uns enfeites dourados, achamos linda e resolvemos fazer um armário daquele belo achado. Instalamos o dito cujo perto de uma pedra onde nós sempre brincávamos e enchemos de guloseimas, felizes da vida com aquele belo móvel.Numa dessas o pai aparece por lá."O que é isto? De onde vocês tiraram? É um caixão de defunto". Nossa, que susto e que confusão! Jogamos tudo longe e nos metemos dentro de casa.
À noite, nos serões, o Francisco contava histórias de assombro e nós achávamos que o dono viria nos tirar a limpo por ter utilizado o seu caixão.


Como se chamava o pai durante a noite! Ele sempre atendia.
Subíamos na cerca da mangueira e atirávamos tições acessos no gado que encerravam na mangueira!


Dos ovos de curruiras, que achávamos nos buracos da madeira da cerca, nós fazíamos pães para as bonecas. Uma vez achamos uma perdiz morta e assamos, não sei se comemos, acho que não!


Andava lá pela Boa Fé, uma enorme porca do Feliciano “Nota Grande”, e o pai disse: esta porca vem de um açougue, ela gosta de comer carne, não cheguem perto dela, porque ela pode comer vocês! Uma vez eu e a Flávia estávamos brincando e ouvimos um grito da porca perto de nós e não conseguimos subir na pedra que brincávamos, então saímos correndo com a porca em nosso encalço, descemos todo o morro e na estiva, perto do Passo Novo, nos atolamos, era atolador só! Nossos sapatos lá ficaram. Saímos correndo morro acima. Na estiva a porca não passou e subimos por outro lado. Quando chegamos em casa já tinham dado por nossa falta, mas não imaginavam o que tinha acontecido. A porca foi mandada embora, e continuaram nossos brinquedos felizes.
O certo: na chegada da estiva, corria junto com a porca uma cabrita que era nossa, a Alfazema, e esta deu uma cabeçada na porca e, enquanto ela se equilibrava, nós corremos mais e mais.


Navegamos em seco com escadas deitadas no capim e os remos eram nossos braços, descíamos a lomba e subíamos com a escada nas costas, e recomeçava tudo outra vez.




Eram clientes do pai o seu Xavier e família. Uma ocasião houve umas carreiras, no potreiro, abaixo da Boa Fé, e nós fomos, a família do Xavier também. Nós tínhamos um amigo, o Nazico, ele namorava uma das filhas do Xavier, a Rosalina. Nas carreiras o DIDI, filho deles disse: "olha lá Savica (Rosalina), onde está o antipático do Nazico!". E nós pensamos vamos dar uma surra nesse guri! Mas ele não se desgrudava da mãe dele, ai eu chamei, Didi vamos brincar? Ele veio feliz da vida. “Olha, o brinquedo é assim: pula por cima deste buraco”. Quando o guri pulou pela terceira ou quarta vez eu peguei na perna dele e derrubei, a Lia sentou nas costas dele, a Flávia nas pernas e eu batia. Quando parou a surra nós dissemos: se tu contares para a tua mãe a surra vai ser dobrada! Ele nunca contou, mas nunca mais foi na Boa Fé. A mãe dele dizia: Dona Dora, não sei o que o Didi tem, ele gostava de vir aqui, agora não tem jeito de vir, quando eu falo de vir ele se esconde! Mas nós sabíamos! A nossa mãe, não!


Foi na Boa Fé que um cavalo me deu um coice, mas não acertou bem. Eu estava no cavalo com a Lia e ela resolveu dar uma chicotada em um cavalo que estava no campo e ele nos largou as duas patas.


Após algum tempo, a fazenda foi vendida e tivemos que nos mudar para um "ranchão" que havia no potreiro, enquanto o pai construía a nossa casa. A mãe já estava esperando o Cláudio, mas eu nunca vi nada. Fomos para o "ranchão" era tudo o que o nome dizia, na frente tinha uma bela amoreira e atrás um arvoredo. Como brincamos neste lugar! Ficamos mais perto da Vicentina e as negrinhas nos faziam companhia nas artes. Nesta época já sabíamos andar a cavalo e pescar, largar a linha na água, peixes, nunca!




Para Boa Fé foi o seu Ademar Azambuja, casou com dona Fábia Figueiredo Azambuja, prima dele.


Uma noite lá no ranchão, o pai veio nos acordar: "olhem, lá no quarto tem um gurizinho que os ciganos trouxeram, eles alcançaram naquela janela” (1). Nós vimos as marcas dos pés do cigano! Queríamos muito era ver o tacho em que os bebes eram feitos... Passado algum tempo, nossa casa ficou pronta e nos mudamos para lá, era perto. Logo após, foi a Vicentina, morar no nosso campo, onde ficou até o fim de nossa casa.


Uma ocasião enquanto morávamos na chácara, primeira residência, aparecia sempre por lá o Juquita, irmão do Guy, primo do Panta. Era brincalhão como só ele. Eu tinha muito medo de sarna e um dia ele inventou que o Xavier tinha sarna e que tinha sentado em todas as cadeiras lá de casa! O pai estava desencaixotando uns remédios, com o seu Arlindo Rocha, um amigo dele, e pedi: o senhor me dá esta caixa verde? Para que tu queres? Eu quero para sentar, porque o Juquita disse que o Xavier tem sarna e que sentou em todas as cadeiras. Consegui a "caixa verde", e não podia largar porque o Juquita disse que se eu largasse as gurias sentariam e elas tinham sentado nas cadeiras, ficaria tudo contaminado.
Neste meio tempo houve um baile no Xavier e nós fomos com nossos pais. O Juquita namorava a Rosalina, filha do Xavier, também foi. Deixei a caixa em casa e planejava sentar no colo da mãe, mas tinha a Tila e a Helena e pouco colo sobrou.


Mais tarde, o pai e a mãe foram dançar e nós ali caindo de sono e cansaço, eis que o pai pediu para a Refina que nos arrumasse uma cama. Ela muito gentil nos arrumou a cama dela e do Xavier para nos deitarmos! As gurias foram e eu fiquei, dizendo que não tinha sono, mas caindo aos pedaços! Ela disse para o pai que as outras já tinham ido e que eu não queria ir, o pai veio e me obrigou a deitar. Eu levantei as pernas e os braços, para o lençol não encostar em mim e berrava. Ela veio e perguntou o que eu tinha? "Eu não quero deitar nesta cama, o Juquita disse que o Xavier tem sarna!” "Não minha filha, isto é bobagem do Juquita!” Chorei, chorei e dormi na cama do Xavier! Não precisei mais andar com a caixa verde... já estava ficando de pescoço grosso.
Ano de 1929. Nossa casa. Uma casa grande, com enorme área na frente, bons quartos, quatro, grande cozinha, varanda enorme, farmácia, consultório, galpão, forno para pão e assados, arvoredo, eucaliptos, e mais importante de tudo, era a nossa casa! Janelas envidraçadas, assoalhada, forrada, limpa cheirosa, e alegre, muito alegre.
O pai nos ensinava tudo, inclusive a admirar tudo o que era belo, uma planta, uma flor, um passarinho cantando, um córrego tudo! Agradeço a Deus, tudo que nos dava. Que santa sabedoria! Nos tirou na hora certa do meio da maldade do mundo e nos transportou para o nosso "paraíso terrestre!”. Ali não tinha escola, aquela obrigação de levantar e sair, nossas aulas eram espontâneas, tudo era apreendido em casa, com ele. E que professor! Ensinava porque sabia, e não nos deixava conviver com qualquer um! Amigos não tínhamos, brincávamos com as irmãs e as negrinhas da Vicentina, que já se criaram ali conosco. Vivemos, brincamos e aprendemos de tudo no misterioso de nosso belo e maravilhoso lar. Não desejávamos mais nada, tudo nos alegrava. Nossa vida era feliz...


1 Nota do Carlos: suponho que foi quando o Tio Cláudio nasceu.

Maria Eugênia Stein

Maria Eugênia Stein

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