Continuando a narrativa da saga dos descendentes do Dr. Bartolomeu, me proponho a narrar os fatos que vivenciei uns doze anos depois.
Como complemento da narrativa das tias, informo que a Fazenda da Boa Fé, em que elas moraram antes de ir para o Ranchão e posteriormente para a Chacrinha do Passo do Canto, pertencia a Manoel Osório Simões Pires, avô do Ozy, portanto meu bisavô.
Depois que ele faleceu, a localidade ficou sem assistência médica o que deu margem a que um enfermeiro que atuava com ele de nome Ananias, tentando talvez suprir esta falta, ou aproveitando-se dela, recolheu o instrumental e livros da casa do Dr. Bartolomeu e iniciou uma charlatanice que se estendeu por muitos anos, passando então a ser chamado de Dr. Ananias, e sua mulher Eronita a exercer a função de parteira.
Sou filho de Flávia e Ozy, já mencionados nas lembranças da Tia Helena e Maria Eugênia.
Depois do falecimento de meu avo Bartolomeu e de minha vó Doralice, minha mãe estava terminando os estudos em Passo Fundo, quando formada foi lecionar em São Domingos, logo em seguida meus pais se casaram, indo morar inicialmente em Passo do Sobrado, um distrito de Rio Pardo, ele com sub-delegado de polícia e ela como professora.
Nesta ocasião a Tia Maria foi morar com eles, já que com a morte de meus avos, ela tinha ido, na função de professora dos filhos do Sr. Zeca Garcia, tio de meu pai.
O Tio Cláudio, já com sete anos, foi acolhido por meus pais que terminaram sua criação, minha mãe tem verdadeira adoração por ele.
Em pouco tempo eles se transferiram para as Aroeiras, pertinho do Capivari, já tendo nascido, nesta ocasião, o Paulo e o Carlos, tia Maria continuava morando em nossa casa e auxiliando a cuidar das crianças, até se casar com o tio Pantaleão. Tinha predileção pelo Carlos.
Como meu avô Timóteo, havia se mudado para o Dom Marcos, onde adquiriu os campos de todos os seus irmãos, providenciou a fundação da Escola Isolada do Capivari, dentro de seus campos no Capivari, próximo a Chacrinha onde moraram meus avos maternos, entre a casa e o galpão, especialmente para que minha mãe fosse lecionar, dava aula para o 1º, 2º, 3º, 4º e 5º juntos, ou seja se dividia o pequeno quadro em cinco partes e ia passando as lições para cada turma. Note-se que tinha que fazer os planos de aula para as cinco classes e corrigir provas. Uma trabalheira!
Nesta casa foi que vivi a minha infância, juntamente com meus irmãos Paulo e Carlos e com a Maria Helena que nasceu logo depois de mim e depois o Guido e o Lúcio, alem da Margarida que era filha de criação, e do Índio que depois veio a ser pára-quedista.
Foi uma infância maravilhosa, minha mãe pelo que sei agora, herdou o modo de pensar e viver de meu avo Bartolomeu, nos ensinou a viver o aqui e o agora, a ver a beleza das pequenas coisas.
Nossa casa não possuía luxo, a água era puxada em uma pipa lá da fonte, luz era de lampião a querosene ou o famoso “burro” também a querosene ( houve um tempo em que possuímos um lampião a carbureto, que até hoje lembro do cheiro, e que era impossível apagar, tinha que ser posto na rua até que a chama se extinguir).
A roupas para esta “tropinha”, a maior das vezes as tias da cidade mandavam, (quase sempre a Tia Helena). Era uma festa quando chegavam, pois de uma hora para outra estávamos cheios de roupas e sapatos, que dávamos um jeito de usar mesmo que não fossem nossos números.
O mundo era o nosso campo onde nos sentíamos senhores. Tomávamos banho de sanga, andávamos á cavalo, caçávamos passarinho, participávamos das lides do campo, os empregados tinham todas as deferências. Nos chamando de “sinhozinho”. Depois do almoço na hora da sesta aprontávamos artes e estripulias, já que os nossos pais estavam dormindo. A mesa era farta, pois a maioria era produzida em nossa propriedade.
Nosso meio de locomoção era o cavalo e a carroça. Quando alguém ficava doente, o Pai ou um peão ia lá no Outro Lado buscar a caminhão do Seu João Iserard, para levar a Rio Pardo. Em caso de não conseguir transporte, ia-se a Monte Castelo, e chamava-se um Carro de Praça de Encruzilhada, (normalmente o Seu Teophilo), que já vinha com o Dr. Clóvis para medicar o enfermo e já dar uma olhada nos outros.
Quando a Tia Helena e o Tio Paulo vinham passar as férias em seus flamantes automóveis, primeiramente o Austin A-40 e depois o Dodge, era uma festa, pelos presentes que trazia e pelos passeios de carro que nos proporcionavam. Poder admirar um automóvel por um tempo maior do que as raras vindas do Seu Teophilo, era um deslumbramento para todos.
Nestes dias matavam-se galinhas, tinha carne de ovelha em abundância e se vivia a tripa forra, era uma festa só.
Um belo dia chegou o caminhão do Eni, (filho do Tio Zeca – aquele em que a tia Maria foi morar depois da morte do vô) carregado com muitas tábuas. A Mãe um pouco chorosa disse que eram da casa onde ela morava na Chacrinha. Confesso que olhei com reverência aquelas tábuas de madeira de lei, fortes majestosas mesmo a meus olhos. Parte destas madeiras ficou no Capivari e a outra parte foi para a casa da Tia Maria lá no Dom Marcos. Com a que ficou no Capivari foi feito o soalho de nossa varanda (ainda hoje estão lá, incólumes ao tempo). Lembro do gostoso que era deitar neste assoalho recém lavado e ainda úmido nos quentes dias de verão do Capivari.
As que foram para a casa da Tia Maria lá no Dom Marcos, foram feitas as paredes do galpão.
Em nossa casa não tínhamos frutas, a não ser os figos da figueira na parte de trás da cozinha e as saborosas pitangas que são abundantes e os guabijus silvestres.
Já havíamos cruzado pela frente, mas nunca chegamos, na Chacrinha do vô “BERTO” como o pessoal de lá chamava, quando se ia ao cemitério nos finados, mas nunca chegamos. No dia de finados para nos era uma festa, levantava-se cedo colhíamos as flores margaridas, rosas, papoulas (a mãe dizia que eram de sementes que trouxe lá da casa onde o vô morava, com as quais fazia sedativos para seus doentes) .
Um dia a Mãe nos mandou eu e um filho de um agregado ao Passo do Canto ver se tinha alguma fruta lá na Chacrinha do meu falecido avô Bartolomeu, levamos uma manhã inteira para chegar lá (ficava a uns 8 km de nossa casa). Quando apeamos e fomos pelo meio das altas ervas daninhas encontramos um arvoredo carregado de frutas, bergamoteiras com suculentas bergamotas, um pé de uma laranja descomunal, que foi a primeira que colhemos, tinha a casca grossa e era intragável (laranja de doce), marmelos, laranjas, figos, romãs, até umas poucas uvas.
Saímos de lá carregados de frutas, o que era uma novidade e um deslumbramento para nos que não as dispúnhamos lá em casa. A partir daí todos anos íamos lá nos abastecer, das frutas que meu avô tinha plantado e que estavam servindo de deleite para seus netos.
Apesar das dificuldades, consegui me formar em engenharia, casei com a Vanessa, a quem vim a conhecer aqui em Porto Alegre, e depois descobri que era filha do Seu Ciríaco, nascido no Passo da Ana Benta, também no Capivari.
Moro em Porto Alegre, e para meu orgulho tenho uma filha, a Cristina que formou-se em medicina, retomando a saga do Dr. Bartolomeu.
Flávio Luiz Stein Garcia
Porto Alegre, 23 de Agosto de 2007
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